Ariel Von Ocker — A Confissão De Um Ser Inútil | Especial Poesia LGBTQIA+

Ariel Von Ocker é escritora, psicanalista, poliglota e acadêmica de Letras e História. Também já trabalhou no teatro como dramaturga e atriz. Autora com seis livros publicados, atua desenvolvendo pesquisas na área da psicanálise, literatura sob perspectivas historiográficas e estudos deIkebana gênero. Atualmente é editora-chefe na Revista Ikebana, redatora no Jornal Tribuna e colunista no Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, além de participar da iniciativa Projeto Simbiose, juntamente com Michelle Diehl e Cristina Soares. Contato: @ariel_von_ocker

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Ariel Von Ocker — A Confissão De Um Ser Inútil

Em vão, amor, eu chorei por todo o dia.
Inúteis suspiros murmurei ao vento sozinha.
Ninguém em resposta aos gritos meus veio correndo.
Ninguém abraçou-me para dizer que o mundo
Não mais me feriria.
Sangrei e gemi sem consolo por um amor que
Não existia. Não! Porquê não eras tu um alguém,
Que eu inútil desejava. Eras a sombra.
Eras vazio e refolho do que só eu sentia.
Eras a flor, em mim mesma, nunca desabrochada.
Sozinha dormi. Sozinha acordei.
E a casa era a mesma: os mesmos móveis corroídos
Por lembranças esquecidas
E espelhos trincados em miradas de agonia.
E eu ia pensando entre reflexos que só eu senti
O amor de infinitas vidas e o ódio de um só corpo condensado
E indescencendente de mim e dos que me precederam.
Eu: a estrangeira da terra, a filha ingrata de um
Mundo que nunca me desejou.
Mas, ainda assim, vivi, amor.
Vivi por ódio de mim e por desejo de desmentir a vida
De que eu falharia.
Como criança, eu fantasiei histórias fabulosas para não ver
Que ao meu lado dormia um cão sarnento.
Para fugir do horror, eu plantei rosas cujos espinhos furaram
Meu dedo quando tentei acaricia-las.
Tudo foi em vão: as palavras de afeto e os beijos trocados
Na escadaria antes da partida,
Os livros lidos e os desenhos sem técnica feitos no caderno.
Sento-me à mesa e peço ao garçom:
-Traga mais vinho, pois vida não vale nada.-
Nalgum lugar, uma gaivota voou para o coração do oceano.
E isso não importou de nada, pois haviam na praia
Outras mil gaivotas tão iguais a ela e indefensávelmente tolas.
O mar se revolveu. Peixes nadaram em profundidades ignoradas.
Eu bebi o vinho e depois, o café.
O primeiro veio quente e azedo pela má conservação.
O segundo estava frio e sem açúcar.
Paguei a conta sem discutir com quem me os trouxera e voltei para casa.
Escrevi um poema e tentei sorrir vendo
A garoa que caía.
Não sorri nem chorei. Apenas olhei perdida
Um horizonte do qual apenas não fazia parte.

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Poema: A Confissão De Um Ser Inútil
Poeta e voz: Ariel Von Ocker
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